UM TEMPO QUE PASSOU
Vouuma vez mais
correr atrás
de todo o meu tempo perdido
quem sabe, está guardado
num relógio escondido por quem
nem avalia o tempo que tem.
Ou
alguém o achou
examinou
julgou um tempo sem sentido
quem sabe, foi usado
e está arrependido o ladrão
que andou vivendo com meu quinhão.
Ou dorme num arquivo
um pedaço de vida
a vida, a vida que eu não gozei
eu não respirei
eu não existia.
Mas eu estava vivo
vivo, vivo
o tempo escorreu
o tempo era meu
e apenas queria
haver de volta
cada minuto que passou sem mim.
Sim
encontro enfim
iguais a mim
outras pessoas aturdidas
descubro que são muitas
as horas dessas vidas que estão
talvez postas em grande leilão.
São
mais de um milhão
uma legião
um carrilhão de horas vivas
quem sabe, dobram juntas
as dores colectivas, quiçá
no canto mais pungente que há.
Ou dançam numa torre
as nossas sobrevidas
vidas, vidas
a se encantar
a se combinar
em vidas futuras
Enquanto o vinho corre, corre, corre
morrem de rir
mas morrem de rir
naquelas alturas
pois sabem que não volta jamais
um tempo que passou.
Poema: Chico Buarque
Música: Sérgio Godinho, Um tempo que passou
In: "coincidências" 1983
Luís Alçada