9.10.09
VER
Quantas vezes passamos pelas coisas sem as vermos? Que pressa temos das nossas urgências, que por vezes nos impede de darmos atenção às coisas simples da vida? Nós que pretendemos investigar e ensinar sobre os fenómenos da comunicação, que capacidade mantemos de estarmos ligados à realidade total que nos envolve, e não apenas à que nos agrada? Quem nos segue? Quem nos ouve? Quem nos lê?
Talvez que a arte nos possa a ajudar a mantermos um entendimento mais abrangente do mundo em que vivemos, porque da percepção única do artista provém uma realidade para nós escondida. Um poema do José Fanha, do seu livro “Elogio dos peixes das pedras e dos simples”, pode ilustrar essa tentativa.
A SENHORA CONCEIÇÃO
A senhora Conceição
é um pássaro remoto
um dinossauro espantado
incapaz de usar sapatos por medida.
A senhora Conceição
tem muita dificuldade
em ir a pé ao correio.
Tem duas galinhas
uma videira pequena
agriões
batatas
e uma dor nas costas já faz
para cima de dez anos.
A senhora Conceição
teve marido
e três filhos
todos vivos benza-os Deus
A senhora Conceição
persiste de roupa preta
em volta dos coentros e dos cravos
e faz de cada couve galega uma bandeira
na sua Sierra Maestra de 4 por 5 metros
a cheirar a rosmaninho.
A senhora Conceição
talvez não entenda nada do que eu digo
mas é para ela que eu digo
e penso
para que o seu sorriso bom
frutifique à margem da usura.
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2 comentários:
Belíssima foto, excelente observação e oportuno poema. Mais um reforço inteligente, sob diversos pontos de vista, à constatação de que passamos a vida a olhar sem ver, a ouvir sem escutar, a falar sem dizer.
Quanto à Arte, talvez seja a forma de expressão humana que, nas suas várias dimensões, mais exprime aquilo que de melhor temos, num misto de razão e de emoção, algo que se sente e não se sabe explicar, porque indizível, mas que nos faz vibrar e nos enche a alma de conforto e bem estar.
Na nossa eterna demanda, não podemos deixar passar a Vida ao lado.
Um abraço, meu amigo. E obrigada. Espero continuar a contar com os seus inestimáveis contributos para enriquecer as nossas reflexões e partilhar as nossas vivências.
A autora deste blog faleceu em 2014. Sendo sua irmã, lamento não prosseguir com o seu ponto de vista, tão meu, como dos restantes mas não tenho o acesso. Obrigada pelos que participaram, eu continuarei a matar saudades, a rever e a ler, este projeto que ficou plantado, mas não cresceu
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