25.2.10

TEXTURANDO

Olhei, sem tocar, a pele da matéria.
Ressaltavam as texturas, umas mais artesanais outras mais naturais.
Cores de todas as cores, realidade visível de múltiplas formas e tons.
Beijadas de luz, cobertas de sombras, ei-las aconchegadas no registo do meu olhar.
Feitas molduras de memória e álbuns do meu sentir, sem tocar.

20.2.10

VERDES SÃO OS CAMPOS

Verdes são os campos,
De cor de limão:
Assim são os olhos
Do meu coração.













Campo, que te estendes
Com verdura bela;
Ovelhas, que nela
Vosso pasto tendes,













De ervas vos mantendes
Que traz o Verão,
E eu das lembranças
Do meu coração.













Gados que pasceis
Com contentamento,
Vosso mantimento
Não no entendereis;













Isso que comeis
Não são ervas, não:
São graças dos olhos
Do meu coração.

Poema de Luís de Camões, Verdes são os campos

6.2.10

CORTINA INDISCRETA

Na montra, em fileiras pendurados por fios de nylon entrelaçados, ali estavam eles, os botões. Perfilados, transparentes e coloridos nas suas novas funções. Deixaram os casacos e os vestidos, perderam-se dos blusões.
Mas ei-los ali transformados em criativa e indiscreta cortina feita de olhinhos fixos, permanentes.
Talvez com saudades das casas por onde entravam para fechar casacos e blusões e, quem sabe, alinhavar ilusões de que, naquele aconhego, aqueciam os corações.

5.2.10

DE AZUL

Então, pintei de azul os meus sapatos
por não poder de azul pintar as ruas,
depois, vesti meus gestos insensatos
e colori as minhas mãos e as tuas,

Para extinguir em nós o azul ausente
e aprisionar no azul as coisas gratas,
enfim, nós derramamos simplesmente
azul sobre os vestidos e as gravatas.

E afogados em nós, nem nos lembramos
que no excesso que havia em nosso espaço
pudesse haver de azul também cansaço.

E perdidos de azul nos contemplamos
e vimos que entre nós nascia um sul
vertiginosamente azul. Azul.
Carlos Pena Filho, Soneto do desmantelo azul




3.2.10

QUEM ME QUISER

Quem me quiser
há-de saber as conchas
a cantiga dos búzios e do mar.
Quem me quiser
há-de saber as ondas
e a verde tentação de naufragar.
Quem me quiser há-de saber as fontes,
a laranjeira em flor, a cor do feno,
a saudade lilás que há nos poentes,o cheiro de maçãs que há no inverno.
Quem me quiser há-de saber a chuva
que põe colares de pérolas nos ombros
há-de saber os beijos e as uvas
há-de saber as asas e os pombos.
Quem me quiser
há-de saber os medos que passam nos abismos infinitos
a nudez clamorosa dos meus dedos
o salmo penitente dos meus gritos.

















Quem me quiser há-de saber a espuma
em que sou turbilhão,
subitamente
- Ou então não saber coisa nenhuma
e embalar-me ao peito, simplesmente.
ROSA LOBATO FARIA, Poema "A Vida num Sonho"