Lisboa, Bairro Alto
Viro à esquerda, para a Rua da Atalaia. Num Bar que serve ginginha, partem piropos em jeito de assobio lançados às jovens que passam. É o Bairro Alto aos seus amores tão dedicado.
Na Rua da Rosa, que quis um dia dar nas vistas, as varandas estão cheias de flores de papel ressequido, memórias de outras festas e das noites adormecidas nas portas fechadas dos bares cansados. Copos de plástico rolam com o vento pelo chão, num passo de dança que imprime ritmo ao andar.
Viro para a Travessa dos Inglesinhos e o Convento do mesmo nome surge brilhante na sua alvura.
Para a esquerda, a Rua dos Caetanos. O Conservatório dos meus sonhos de
menina-bailarina espreita imponente e degradado. Indiciando o peso da idade de
quem o esquece, ostenta uma flâmula comemorativa dos seus 170 anos,
celebrados em 2005. Estamos em 2010.
Este alheamento, este deixa andar que arrepia na sua indiferença inestética e abandono sem sentido, reflecte-se nas fachadas dos
edifícios em frente. Puro contágio?
Na Galeria Graça Brandão, as
telas viraram pichagens, aconchegadas entre uma garagem e a Editora Livros do
Brasil. Tudo, no imóvel decrépito, aponta para a sua já não
existência. É sábado. O aviso FECHADO encontra sentido. Mas outro aviso confunde: “Depois das 18h00 queira fazer o favor de carregar no botão do 1º
andar. Obrigado”.
Se carregar, o que acontece? O esplendor de outrora surgirá como por magia?
Se carregar, o que acontece? O esplendor de outrora surgirá como por magia?
Olho a montra. Expostos 21 livros, todos de capa azul, queimada e a maioria enroladas pelo sol. De O Livro da Selva, de Rudyard Kipling, passando por Viajantes Solitários, de Fernando Pratas ou pelo O Homem e o Mar, de Ernest Hemingway, até Um deus desconhecido, de John Steinbeck, entre muitos outros, é um mundo editorial de respeito que se encontra escarrapachado ao sol, coberto de moscas mortas numa vitrina que sorri indolente e adormecida para o Conservatório de Lisboa.
Cartazes azuis publicitam
“Editorial Livros do Brasil - tradição e modernidade”; “Colecção 2 mundos”; “
Editora Livros do Brasil. Mais de 50 anos ao serviço da leitura”; “Colecção
Livros do Brasil”. Tudo é azul, mas não etéreo. É um azul anil, de esquecimento, aquele que meus olhos vêem e lamentam. São os meus referenciais de
juventude abandonados sem o estarem, de facto.
Confirmo na Internet que a Editora existe e está a avançar para novos projectos.
Porquê
então publicitar em estado de caos um futuro que ainda não é e um passado que
já foi e não é o presente que se revela?
Confusa e entristecida, mudo de rumo e regresso pela Rua do Norte, passando pelo 1º de Maio, espaço de inesquecíveis e vivas tertúlias de amigos que continuo a preservar num Bairro que só pode ser alto e que "hoje, saudoso e velhinho, recordando com carinho seus amores, suas paixões, pr'a cumprir a sina sua, ainda veio pr'o meio da rua cantar as suas canções."
Trovas antigas, saudade louca...
Refugio-me da panóplia de pontos de vista e sentidos contrastes, no Largo de Camões, ao Chiado, enchendo a alma com esta Lisboa surpreendente, belíssima, única e singular, que tanto amo.
Silêncio velha Lisboa, vai cantar o Bairro Alto.
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