29.11.09

MOMENTOS INSTANTES


Nove da manhã. Decido entrar.
Olho em redor e tento, no aroma que não é, sentir na pele aquele tempo em que a mesa atrás de mim era ocupada pelo Pai, familiares e amigos, numa tertúlia de cheiro a café e a charuto que já não existe.
Idosos serenos, de porte respeitável, persistem em nela se sentar, tornando a lembrança mais física, palpável até.
O sotaque que enche a sala é brasileiro e as batidas constantes das medidas de café fazem estremecer a memória, arrepiando-a.
Cheira vagamente a fritos...
As cadeiras e o balcão, o tecto e as paredes mantêm-se aparentemente inalterados. Parecem-me diferentes, os quadros a óleo, mas a cor quente do café é a mesma. A luz também...mas a alma, essa não a encontro.
Isolo-me no silêncio rebuscado de uma memória que teima e insiste em vencer, pela intemporalidade, o ruído, a impoesia, o desmomento...
O bule e a chávena de chá despertam-me, colocados bruscamente sobre a mesa.
Sem nostalgia mas com saudade, recorro ao outrora delicado serviço e à gentileza, quase íntima de tão distante.
Tento em vão recuperar o sabor perdido...
E lembro a criança que era, de vestido domingueiro, cansada de estar sentada rodeada de adultos e que percorria o estreito corredor entre as mesas e o balcão até à porta da rua, num vai-e-vem de quem tinha tempo de sobra para estar sentado.
Agora sou eu que tomo o lugar, agarrando no espaço o tempo que não tenho...
Oiço os sinos da Igreja e quase apalpo o instante que me escapa...
Entrei na Brasileira do Chiado de propósito, para tentar tocar de perto o afecto de um tempo que já não é.
Se algo está presente agora, neste momento em que decido pôr no papel o sentimento, é meu Pai, naquele canto do lado do espelho onde se sentava...
Os sons, os gestos, os aromas já não são os mesmos.
Mas reafirmei a minha fé no Instante.
E foi nele que acariciei a face do Pai, sentado sorrindo no canto da mesa ao fundo da sala.
O conforto da memória aconhegou-me a alma e apertou-me a garganta...
Decidi sair.

28.11.09

Só faltavam 13 Kms...


Foto de Alexadre Correia

...para chegar a Porto Alexandre, hoje Tômbua,  a cidade à beira-mar mais a sul no litoral angolano. Interessante, Porto Alexandre manter-se placidamente assinalado numa antiga placa colonial, no meio do deserto, permitindo-nos saber que só faltam 13 Kms para chegar a Tômbua, designação que adquiriu a partir de 1975. São tempos de paz os nossos, de conciliação do passado com o futuro, de mãos dadas no pesente.
A simbólica placa traduz este generalizado sentimento de tolerância e respeito mútuo, imensamente gratificantes, que se vive e se partilha nestas rotas de quem viaja em Angola muito para além dos aprazíveis locais turísticos estruturados e peparados para nos receber como visitantes, que somos.
Descobrimos ou revivemos belezas naturais únicas e vibramos com a genuína alegria e gentileza das populações locais que nos acolhem de braços abertos. Vale a pena consultar o blogue AS VIAGENS DE ALEX , tanto do ponto de vista dos registos fotográfico e histórico como das reportagens em si mesmas. Está lá tudo.
E passear por todo o terreno das belas e diversificadas províncias angolanas. Inesquecível.

CASAS DE PEDRA VERMELHA NA SAVANA

OMAHUA, que significa pedra, é uma  reserva turística situada no sul da Província do Namibe, em Angola, a cerca de 150 Km da cidade de Namibe, na estrada que liga ao Parque Nacional do Iona e à Foz do Cunene, na  fronteira com a Namíbia. É um local lindíssimo, com savanas loiras e picadas de terra vermelha,  cheia de espinheiros dispersos pela planície rodeada de calhaus e pedras enormes, de granito vermelho, roladas, apresentando formas estranhamente escultóricas a desafiar a imaginação.
Nas grutas dos rochedos graníticos, ao bom estilo dos FLINSTONES, encontramos um restaurante e apartamentos para alojamento.
Delicioso, original e acolhedor.
É a África quente, profunda, selvagem, belíssima, que se descobre depois do deslumbramento do deserto, das dunas altas vermelhas, da Baia dos Tigres...

Repousamos e parecemos meninos em mágico cenário à volta da fogueira ao ar livre, descobrindo os sons dos bichos na noite, talvez - quem sabe? - os de algum leopardo... sim, porque os há em Omahua.
Quando o lume se apaga e o céu negro de veludo fica, iluminados pelas estrelas brilhantes, cintilando como em lado nenhum, recolhemos aos quartos feitos de pedra, uns, de madeira ou de lona, outros.
E então, adormecemos de alma cheia.

26.11.09

A CRIAÇÃO


No princípio criou Deus os céus e a terra.(Génesis,1)

NOTAS EM SOM

O Amor é sempre Sublime. Na música, na poesia, na vida, no mundo, no coração...

ÀS VEZES...

Às vezes andamos por aí tão embrulhados em nós de amargura, emaranhados, queixosos do tudo e do nada, inquietos, em busca do quê, lendo o mundo a preto e branco, cegos às tonalidades do cinzento e à explosão de luz e cor que se espalha pelo dia, do nascer ao pôr do sol, inundando sem retorno o mundo de beleza e a vida de esperança.
Às vezes deixamo-nos levar, invadir por esse estado de espírito desesperançado, que não encoraja a muda, que permanece pilar feito ferrujem corroendo a alma.
Às vezes...
Às vezes, sabemos ver e olhar... e perceber.

25.11.09

CANÇÃO DE EMBALAR O TEMPO


Na luz viva
dos teus olhos,
brilham
estrelas de magia.
Em teu rosto
iluminado,
cantam
brisas de maresia.
Minha filha, horizonte
feito abraço, meu momento.
Junto a ti, cancelo o tempo
que passa, sem tormento.
in Em mim

AO SOM DO LUAR


"Oh dôce luz! oh lua!
Que luz suave a tua,
E como se insinua
Em alma que fluctua
De engano em desengano! "
(./...)
Melancolia - ,João de Deus, in 'Ramo de Flores'

21.11.09

ÁFRICA MINHA

A TERRA ONDE NASCI


Por favor, suspenda no fim da página o som da música de fundo, para não haver sobreposição quando accionar o vídeo.

Por favor, suspenda no fim da página o som da música de fundo, para não haver sobreposição quando accionar o vídeo.




13.11.09

UMA QUESTÃO DE AFECTO

O poderoso lóbi dos afectos

"O que leva três centenas de pessoas nascidas em Angola mas há mais de três décadas a viver em Portugal a reunirem-se ao fim da tarde de uma sexta-feira? O mero lançamento de um livro? Sim, mas não só. Antes e sobretudo o facto de estarem profundamente ligadas ao país onde nasceram. Um lóbi poderosíssimo, pensará o leitor. Não, de todo. Este lóbi é apenas de afectos. Não funciona para mais nada. Mas nesse aspecto têm uma enorme capacidade de atracção. E ali estavam Alexandre Relvas, Manuel José Passarinho, Margarida Mercês de Melo, Miguel Anacoreta Correia, Luís Palha, Marta Cochat Osório, Armando Dinis da Gama, José Maria Pimentel e tantos outros que passaram pelo Liceu Salvador Correia em Luanda.

É certo que até 1974 os estudantes brancos sempre foram em muito maior número do que os negros e mestiços. Mas isso não impediu que algumas das mais altas figuras do Estado angolano, como Agostinho Neto, José Eduardo dos Santos, Lúcio Lara e Diógenes Boavida tenham passado pelos bancos do liceu, a par de muitos outros que hoje ocupam posições de relevo na sociedade portuguesa.

"Viva a Malta do Liceu!" é um livro incontornável, cheio de história e de histórias sobre os 90 anos do mais emblemático liceu de Angola."


Texto da autoria de NICOLAU SANTOS, publicado na edição do EXPRESSO de 31 de Outubro de 2009, in CEM POR CENTO, caderno Economia, página 5.

 Liceu Nacional Salvador Correia, em Luanda - Anos 50

(.../.)
"As origens do 'Salvador Correia' remontam a 25 de Abril de 1890, quando cerca de três dezenas de cidadãos se reuniram em casa de Caetano Vieira Dias e decidiram solicitar ao governo português a criação de um liceu nacional em Luanda. A ideia era criar um estabelecimento de ensino na capital angolana que ministrasse os programas em vigor nas escolas em Portugal, o que permitiria aos alunos transitar deste liceu para as escolas portuguesas.

A criação desse liceu só veio, no entanto, a ser decidida a 19 de Fevereiro de 1919, quando o Conselho de Instrução Pública aprovou por maioria uma proposta nesse sentido apresentada por António Joaquim Tavares Ferro.
Inicialmente denominado Liceu de Luanda, a escola começou por funcionar num edifício na baixa da capital angolana, assumindo em 1924 a designação de Liceu Nacional Salvador Correia de Sá e Benevides, numa homenagem ao homem que reconquistou Luanda para a coroa portuguesa em 1648 depois da cidade ter sido ocupada pelos holandeses.
O actual edifício, situado no cimo de uma encosta que desce para o mar, começou a ser construído em Novembro de 1938, tendo a inauguração ocorrido a 5 de Julho de 1942. Em 1975, ano da independência de Angola, foi rebaptizado com o nome actual de Liceu Mutu Ya Kevela, em homenagem ao soba do Bailundo que liderou uma revolta contra as autoridades portuguesas em 1902 no planalto central de Angola, mas a inscrição 'Liceu Nacional Salvador Correia' continua bem visível no alto da entrada principal do edifício. "
Excerto do texto publicado em Notícias Lusófonas - http://www.noticiaslusofonas.com/

Fachada principal do Liceu nos dias de hoje - foto de João Luis Moedas, publicada no site http://www.salvadorcorreia.org/, da Associação dos Antigos Alunos do Liceu Salvador Correia - Portugal

7.11.09

SERÁ QUE TEM COR O CORAÇÃO?

Angolano

"Ser angolano é meu fado, é meu castigo
Branco eu sou e pois já não consigo
mudar jamais de cor ou condição...
Mas, será que tem cor o coração?

Ser africano não é questão de cor
é sentimento, vocação, talvez amor.
Não é questão nem mesmo de bandeiras
de língua, de costumes ou maneiras...

A questão é de dentro, é sentimento
e nas parecenças de outras terras
longe das disputas e das guerras
encontro na distância esquecimento!"
Neves e Sousa, "Angolano"


O símbolo da TAAG - a palanca negra - foi idelalizado por Neves e Sousa e continua a ser a marca da transportadora aéra nacional angolana.



"A QUESTÃO É DE DENTRO, É SENTIMENTO..."

      

 




UM POUCO MAIS DE AZUL...

(.../.)
"Um pouco mais de sol - e fôra brasa,
Um pouco mais de azul - e fôra além.
Para atingir, faltou-me um golpe de aza...
Se ao menos eu permanecesse àquem... "
Mário de Sá-Carneiro, Quási, in 'Dispersão'

A FORMA JUSTA

"Sei que seria possível construir o mundo justo
As cidades poderiam ser claras e lavadas
Pelo canto dos espaços e das fontes
O céu o mar e a terra estão prontos
A saciar a nossa fome do terrestre
A terra onde estamos — se ninguém atraiçoasse — proporia
Cada dia a cada um a liberdade e o reino
— Na concha na flor no homem e no fruto
Se nada adoecer a própria forma é justa
E no todo se integra como palavra em verso
Sei que seria possível construir a forma justa
De uma cidade humana que fosse
Fiel à perfeição do universo

Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco
E este é meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo."

Sophia de Mello Breyner Andresen, in "O Nome das Coisas"



5.11.09

PRESENÇA AFRICANA

"E apesar de tudo,
Ainda sou a mesma!
Livre e esguia,
filha eterna de quanta rebeldia
me sagrou.
Mãe-África!
Mãe forte da floresta e do deserto,
ainda sou,
a Irmã-Mulher
de tudo o que em ti vibra
puro e incerto...

A dos coqueiros,
de cabeleiras verdes
e corpos arrojados sobre o azul...
A do dendém
Nascendo dos braços das palmeiras...
A do sol bom, mordendo
o chão das Ingombotas...
A das acácias rubras
Salpicando de sangue as avenidas,
longas e floridas...
Sim!, ainda sou a mesma.
A do amor transbordando
pelos carregadores do cais
suados e confusos,
pelos bairros imundos e dormentes
(Rua 11!... Rua 11!...)
pelos meninos de barriga inchada e olhos fundos...
Sem dores nem alegrias,
de tronco nu
e corpo musculoso,
a raça escreve a prumo,
a força destes dias...
E eu revendo ainda, e sempre, nela,
aquela
Longa história inconsequente...
Minha terra...
Minha, eternamente...
Terra das acácias, dos dongos,
dos cólios baloiçando, mansamente...
Terra!
Ainda sou a mesma.
Ainda sou a que num canto novo
pura e livre,
me levanto,
ao aceno do teu povo!"                                                                
                       
Alda Lara, Benguela,1953                                                       
(Presença Africana, in Poemas,1966)