Nove da manhã. Decido entrar.
Olho em redor e tento, no aroma que não é, sentir na pele aquele tempo em que a mesa atrás de mim era ocupada pelo Pai, familiares e amigos, numa tertúlia de cheiro a café e a charuto que já não existe. Idosos serenos, de porte respeitável, persistem em nela se sentar, tornando a lembrança mais física, palpável até.
O sotaque que enche a sala é brasileiro e as batidas constantes das medidas de café fazem estremecer a memória, arrepiando-a.
Cheira vagamente a fritos...
As cadeiras e o balcão, o tecto e as paredes mantêm-se aparentemente inalterados. Parecem-me diferentes, os quadros a óleo, mas a cor quente do café é a mesma. A luz também...mas a alma, essa não a encontro.
Isolo-me no silêncio rebuscado de uma memória que teima e insiste em vencer, pela intemporalidade, o ruído, a impoesia, o desmomento...
O bule e a chávena de chá despertam-me, colocados bruscamente sobre a mesa.
Sem nostalgia mas com saudade, recorro ao outrora delicado serviço e à gentileza, quase íntima de tão distante.
Tento em vão recuperar o sabor perdido...
E lembro a criança que era, de vestido domingueiro, cansada de estar sentada rodeada de adultos e que percorria o estreito corredor entre as mesas e o balcão até à porta da rua, num vai-e-vem de quem tinha tempo de sobra para estar sentado.
Agora sou eu que tomo o lugar, agarrando no espaço o tempo que não tenho...
Oiço os sinos da Igreja e quase apalpo o instante que me escapa...
Entrei na Brasileira do Chiado de propósito, para tentar tocar de perto o afecto de um tempo que já não é.
Se algo está presente agora, neste momento em que decido pôr no papel o sentimento, é meu Pai, naquele canto do lado do espelho onde se sentava...
Os sons, os gestos, os aromas já não são os mesmos.
Mas reafirmei a minha fé no Instante.
E foi nele que acariciei a face do Pai, sentado sorrindo no canto da mesa ao fundo da sala.
O conforto da memória aconhegou-me a alma e apertou-me a garganta...
Decidi sair.